No Brasil, há uma diversidade de mais de 150 espécies de tubarões e raias, variando em formas, tamanhos e aparências. Infelizmente, mais de um terço dessas espécies enfrenta ameaças em escala global, incluindo o território brasileiro. A pesca é a principal causa por trás do declínio alarmante dessas populações, e o consumo humano representa uma ameaça significativa. Muitas vezes, as pessoas consomem esses animais sem consciência, o que pode, inadvertidamente, incentivar ainda mais a pesca predatória.
Quando fazemos compras para escolher alimentos, como carne bovina, de aves ou suína, temos conhecimento sobre os diferentes cortes e opções disponíveis. No entanto, no caso do peixe, os consumidores muitas vezes estão limitados ao que é oferecido nas embalagens, o que pode resultar em compras enganosas e não identificadas corretamente.
Ameaça ao meio ambiente
O consumo de cação no Brasil é comum, porém, muitas vezes, os consumidores não estão cientes de que o termo “cação” engloba várias espécies de tubarões e raias, o que geralmente não é informado. Diversos tipos de tubarões, incluindo aqueles que enfrentam riscos de extinção, são capturados diariamente em redes de pesca. Após a captura, a cabeça e as vísceras são removidas, e os peixes são filetados ou cortados em fatias e vendidos como cação. É importante ressaltar que, sem sombra de dúvida, o cação é, na verdade, uma variedade de tubarão. Essa prática pode ter sérias consequências para a preservação dessas espécies marinhas.
Hugo Bornatowski possui uma extensa trajetória de pesquisa e interesse em tubarões. Desde a infância, ele mantém contato com esses animais e dedicou grande parte de sua carreira como biólogo ao estudo de seu comportamento e das ameaças que enfrentam. Atualmente, faz parte da equipe do Programa de Recuperação da Biodiversidade Marinha (REBIMAR) da Associação MarBrasil. Para Bornatowski, a falta de informação leva as pessoas a consumirem carne de uma espécie ameaçada de extinção e de grande importância para o equilíbrio natural.
Segundo dados da Sociedade Brasileira para o Estudo dos Elasmobrânquios (Sbeel), o Brasil é o principal importador e exportador de carne de cação no mundo. Apesar do alto consumo, cerca de 70% dos brasileiros desconhecem que a carne de cação é, na verdade, proveniente de tubarões ou raias.
“A pesca não para, seja artesanal ou industrial. A REBIMAR vem trabalhando para entender esse impacto há mais de 3 anos. Coletamos e identificamos mais de 200 amostras de cação à venda no Paraná. Realizamos análises genéticas e confirmamos que várias espécies ameaçadas de extinção, como o tubarão-martelo, o tubarão-anjo e as arraias vermelhas, são vendidas sem nenhum controle”. A análise genética confirma que várias espécies ameaçadas de extinção, como o tubarão-martelo, o tubarão-anjo e o tubarão-raia, são vendidas como cação.
Os peixes já chegam ao consumidor final limpos e em formato de postas, o que dificulta a diferenciação entre as espécies. A ausência de identificação das espécies nos produtos de cação prejudica a fiscalização por parte de órgãos como o Ibama ou o Ministério da Agricultura.
Riscos à saúde humana também estão em jogo
Além do impacto ambiental, esse comércio ilegal pode afetar seriamente a saúde humana. Tubarões e raias acumulam no organismo metais pesados e outros elementos que podem ser prejudiciais à saúde.
“Os tubarões são animais conhecidos como o topo da cadeia alimentar, ou seja, se alimentam de todos os outros animais e, portanto, acumulam contaminantes em níveis significativos, representando riscos à saúde dos consumidores de carne de cação. Nesta nova fase do projeto, o Programa REBIMAR, patrocinado pela Petrobras e pelo Governo Federal, avaliará o teor de metais pesados, como mercúrio e chumbo, para verificar se estão dentro dos limites estabelecidos pela Anvisa para o consumo humano”, explica Juliano Dobis, diretor da Associação MarBrasil e coordenador de políticas públicas do programa.
Nesta etapa, serão avaliadas 60 amostras das principais espécies de tubarões e raias comercializadas no litoral paranaense. O patrocínio possibilitará a coleta e análise dessas amostras, e os resultados fornecerão informações à população sobre os riscos associados a esse consumo, bem como diretrizes para políticas públicas de conservação.
Animais como tubarões e raias, embora muitas vezes não recebam a mesma atenção que outros em risco de extinção, desempenham um papel biológico fundamental no meio ambiente, assim como os pandas. Portanto, é essencial não aceitar a pesca ilegal e pressionar as autoridades para um controle mais eficaz.